Inveja ou Ciúme?

A inveja e o ciúme são termos usados corriqueiramente no nosso cotidiano, por serem sentimentos muito presentes na sociedade atualmente, apesar de serem empregados muitas vezes de forma distorcida por leigos. Estes sentimentos sempre foram alvo da Psicanálise, principalmente com Melanie Klein, desde então vêm sendo cada vez mais estudados por psicólogos e psicanalistas.

Busco aqui conceituar alguns termos que, embora parecidos, têm características próprias e específicas, tal como são os sentimentos de inveja, ciúme, voracidade, despeito e admiração.

Inveja

A inveja pode ser considerada como a mais primitiva expressão da pulsão de morte. A inveja busca destruir o objeto desejado na impossibilidade de tê-lo. Implica uma relação de objeto com uma única outra pessoa, e sempre remonta a uma relação diádica e exclusiva com a mãe, a quem o sujeito invejoso quis incorporar e ter a qualquer preço. Aliás, a etimologia da palavra inveja, formada pelos étimos latinos “in” (dentro de) e “vedere” (olhar), indica claramente o quanto este sentimento alude a um olhar mau que entra dentro do outro. Isso encontra confirmação nos conhecidos jargões populares do tipo: “mau olhado”, “olho grande”, ou uma torcida que “seca” o adversário, etc.

Ciúme

É um sentimento intimamente ligado à inveja, porém compreende uma relação de, pelo menos, mais outras duas pessoas envolvidas, trata-se de uma relação triangular, onde o objeto amado é visto a interagir com um terceiro que de certo modo lhe retira a atenção ou priva o indivíduo com ciúme da atenção que desejara para si, de tal sorte que o indivíduo com ciúme sente que o amor que lhe é devido foi roubado, ou está em perigo de sê-lo, pelo seu rival. Assim, o ciumento teme perder o que ele julga pertencer-lhe, enquanto a pessoa invejosa sofre ao ver que o outro tem aquilo que ele quer exclusivamente para si mesmo e, deste modo, lhe é penosa a satisfação alheia a ele. No caso em que o ciúme é resultante de um uso excessivo de identificações projetivas, ele pode adquirir características delirantes. Portanto, o sentimento de ciúme se baseia no amor e visa à posse do objeto amado e à remoção do rival.

Voracidade

Consiste em um desejo veemente, impetuoso e insaciável, e que está excedendo ao que o indivíduo necessita e ao que o objeto é capaz, ou que está disposto a dar-lhe. Ao contrário da inveja, que está principalmente conectada com a projeção, a voracidade está com a introjeção. A voracidade, ou avidez, é inseparável da privação e da frustração, com as quais mantém uma dupla e íntima relação de causa e efeito.

Despeito

É um sentimento algo mesclado à inveja e que alude a um estado de ressentimento, um misto de raiva e de pesar, devido à decepção com o objeto necessitado, pela preferência que este tenha dado a outrem. Consoante à sua etimologia, a palavra “despeito” (“de” + “spectare”) significa “olhar de cima para baixo, ficar sobranceiro, desprezar” (Koehler, 1938). No entanto, uma outra possibilidade é que ela resulte dos étimos latinos “des”(privação) + “pectus”. Conforme a mesma fonte acima,” “pectuspectoris” significa peito, mente, alma. Esta última morfologia (Heckler, 1984) comprova que o despeitado é o indivíduo que ficou sem o “peito” (seio provedor) e, daí, o surgimento de sentimentos invejosos, vingativos e retaliadores. Assim, a perfídia, que nos dicionários aparece como deslealdade, maldade, traição, é um sentimento diretamente derivado do “despeito”.

Admiração ou Gratidão

Consiste em uma forma de sentir que se constitui em um excelente ponto de partida para a formação de sadias identificações com a pessoa admirada. Nos casos em que a inveja for excessiva, esse tipo de identificação boa pode ser substituído pelo emprego de imitações. Assim, é útil realçar que nem sempre é fácil reconhecer a diferença que delimita entre uma admiração sadia e uma idealização, nos casos em que esta é exagerada e patogênica. Tanto no estado de admiração como no de inveja, a identificação processa-se por meio do desejo inconsciente do sujeito em ser igual ao outro, que é o possuidor dos dotes admirados ou invejados. A diferença consiste no fato de que, na inveja, o desejo de ser igual fundamenta-se em uma cobiça voraz e destrutiva, e a identificação resulta imitativa e patógena, enquanto na admiração prevalece um vínculo de amor e propicia uma identificação sadia.

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